O projeto Brasil: Nunca Mais – BNM foi desenvolvido pelo Conselho Mundial de Igrejas e pela Arquidiocese de São Paulo nos anos oitenta, sob a coordenação do Rev. Jaime Wright e de Dom Paulo Evaristo Arns. A iniciativa teve três principais objetivos: evitar que os processos judiciais por crimes políticos fossem destruídos com o fim da ditadura militar, tal como ocorreu ao final do Estado Novo, obter informações sobre torturas praticadas pela repressão política e que sua divulgação cumprisse um papel educativo junto à sociedade brasileira.
A partir do exame de cerca de
850 mil páginas de processos judiciais movidos contra presos políticos,
foram publicados relatórios e um livro de igual nome (Editora Vozes)
retratando as torturas e outras graves violações a direitos humanos
durante a ditadura militar brasileira. As principais informações foram
obtidas a partir dos depoimentos prestados pelos réus no âmbito dos
tribunais militares. Com efeito, quando interrogados na Corte, uma
parte dos acusados denunciou e detalhou as práticas de violência física
e moral que sofreram ou presenciaram nos períodos em que ficaram presos
nos cárceres das Forças Armadas ou da Polícia Política. Essa, aliás, é
uma das ideias geniais do BNM: o uso de documentos oficiais do próprio
Estado para comprovar a prática reiterada e institucionalizada da
tortura como ferramenta de investigação e repressão durante a ditadura.
Assim, em 15 de julho de 1985, quatro meses após a retomada do regime civil, foi lançado o livro “Brasil: Nunca Mais”. A publicação da obra mereceu destaque na imprensa nacional e internacional e o livro foi reimpresso vinte vezes somente nos seus dois primeiros anos de vida, tendo já ultrapassado a marca de 40 edições. Permaneceu na lista dos dez mais vendidos por 91 semanas consecutivas, tornando-se – à época – o livro de não-ficção brasileiro mais vendido de todos os tempos.
O BNM é até hoje considerado a maior iniciativa
da sociedade civil no Brasil em prol dos direitos à memória, verdade e
justiça, tendo permitido, ao longo destes anos, reconstituir parte da
história das violações dos direitos humanos durante o regime militar.
Sua publicação foi também transformadora, pois impactou novas gerações
com o valor fundamental do respeito à dignidade da pessoa humana. No
campo político, impulsionou a ratificação pelo Brasil da Convenção das
Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanos ou Degradantes e influenciou os trabalhos da Assembleia
Nacional Constituinte que promulgou a Constituição de 1988, sobretudo
quando esta define a tortura como crime inafiançável e insuscetível de
graça ou anistia.
Dom Paulo decidiu doar toda a documentação do projeto, a fim de torná-la pública. O conteúdo foi oferecido, inicialmente, à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e à Universidade de São Paulo, as quais declinaram do convite. Ofertado, então, à Universidade Estadual de Campinas, a instituição aceitou a documentação, com o compromisso de disponibilizar amplamente o material para consulta e permitir sua reprodução.
Por temor de que o material de pesquisa pudesse ser destruído pelos órgãos da repressão política, microfilmes de toda documentação foram remetidos aos Estados Unidos da América pelo Conselho Mundial de Igrejas, tendo sido mantido em Chicago, pelo Latin American Microform Project, do Center for Research Libraries.
Com o projeto Brasil Nunca Mais Digit@l esse acervo retornou ao país, estando totalmente acessível através da internet. Abre-se com isso novos horizontes para pesquisas e consultas pela sociedade civil. A ele se somam os documentos arquivados pelo Conselho Mundial de Igrejas em sua sede na Suíça, os quais registram os principais passos do desenvolvimento do BNM e sua repercussão internacional. O acervo é complementado com cópia dos relatórios produzidos pela equipe do BNM e dos arquivos da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, anteriormente digitalizados e publicados pelo Armazém Memória.
A repatriação dos arquivos do BNM fortaleceu o
processo de concretização dos direitos à verdade, à memória e à justiça
e contribuiu para o funcionamento da Comissão Nacional da Verdade e de
diversas outras comissões regionais. O BNM Digit@l convida, também, à
reflexão sobre a necessidade de aprofundarmos o nosso processo de
justiça transicional, sobretudo com o cumprimento da sentença da Corte
Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund.
A publicação do site BNM Digit@l cumpre um dos
objetivos centrais do próprio projeto BNM, ou seja, de proporcionar a
educação pela memória histórica, para o desenvolvimento de relações
sociais alicerçadas nos direitos humanos. Cidadãos e cidadãs,
brasileiros ou estrangeiros, podem, desde suas casas,
escolas, faculdades, ambientes de trabalho, enfim, através de seus
computadores, trocar experiências com esse passado, para melhor
compreender e atuar no presente. Esse é, aliás, um processo dinâmico e
permanente. Convidamos usuários, alunos, professores e pesquisadores a
descobrir novos arquivos relacionados ao BNM e a propor que eles sejam
agregados ao site.
Além disso, indicamos um conjunto de outros centros de documentação digital que podem ajudar na sua pesquisa.
Apresentamos abaixo uma lista de links com conteúdos de interesse sobre o período da ditadura militar, que ajudarão a complementar os estudos a serem realizados no Brasil: Nunca Mais Digit@l.